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Literacura: um dos vencedores do Edital Boas Práticas conecta vozes silenciadas à sociedade
15/12/2025 15h57 - Atualizado em
15/12/2025 16h01
Uma ponte que leva sentido a espaços onde vivem pessoas invisibilizadas pela sociedade. É assim que podemos chamar o projeto Literacura, do Humaniza Brasil, um dos vencedores do Edital de Boas Práticas 2024 da Rede Abraço.
A iniciativa utiliza a literatura como ferramenta para articular as vozes de grupos marginalizados e dar visibilidade a comunidades historicamente silenciadas. E foi desta forma, que a iniciativa chegou à Penitenciária de Segurança Média 2 (PSME2), unidade que acolhe a população LGBTQIAPN+.
Nesse espaço, o projeto decidiu promover a biblioterapia — uma prática terapêutica que usa a leitura e a discussão de livros e textos para auxiliar pessoas com dificuldades emocionais, psicológicas ou físicas—, além disso, um clube de leitura provisório para possibilitar que as "escrevivências" ganhassem voz e chegassem ao mundo — resultado que iria se materializar no livro “Literacura”, com crônicas produzidas pelas pessoas privadas de liberdade da PSME2.
“[...] Hoje me considero uma bomba-relógio, sinto um vazio imenso, cheguei ao fundo do poço. Sinto saudades dos momentos com dignidade, em que por minutos vivia feliz, antes de conhecer as drogas, mas viver naquele mundo sem paz era como viver em um sonho, sem futuro. Hoje, tudo o que eu quero é voltar a ser feliz, com dignidade. Vou lutar com unhas e dentes para voltar para minha família. Um dia limpo para um dependente químico é uma eternidade. Só por hoje, que este dia seja um dia diferente”, Angelo Gomes dos Santos - uma das cronistas da Penitenciária de Segurança Média 2 (PSME2).
A obra de Angelo, entre outras, nasceu das oficinas realizadas pela equipe do Humaniza Brasil, que foram acompanhadas por uma psicóloga para garantir o acolhimento e segurança emocional durante as atividades. Quem desejava participar contribuía para a construção coletiva do livro — desde os textos até escolhas como capa e formato.
Ao longo das práticas de biblioterapia, o brilho no olhar entre os participantes foi presenciado, pois os momentos de construção da obra também carregavam o objetivo de incentivar o autocuidado, a busca pelos sonhos e a imaginação de novos caminhos.
Segundo Kátia Fialho Nogueira, idealizadora do projeto e produtora cultural, ver esse trabalho ganhar forma, sair do imaginário e se materializar em um livro que chega às mãos dessas pessoas, é profundamente emocionante.
“Minha intenção é levar um braço da Humaniza Brasil para dentro de espaços onde a leitura raramente chega. Costumamos ver escritores circulando por escolas, bibliotecas e ambientes considerados ‘padrões’, mas quase nunca onde o acesso ao livro é limitado. Infelizmente, uma parte da sociedade ainda insiste em enxergar essas pessoas como se não fossem sujeitos de direitos, como se não merecessem respeito, cuidado e humanidade. Se desejamos que alguém deixe esse espaço melhor, com novas perspectivas e reais chances de ressocialização, não existe caminho mais potente do que o da literatura, do livro e da leitura. E é isso que buscamos fazer aqui”, conta a idealizadora.
Luciana Menezes
Gerente de Municipalização e Articulação Institucional da Rede Abraço e gestora do Projeto
“Tenho certeza de que muitas pessoas vão se inspirar nas trajetórias e histórias escritas no livro. Elas vão ler a obra, ouvir os depoimentos e dizer: ‘Nossa, eu me sinto assim também’. E é justamente isso que vai permitir que outras pessoas se reconheçam, se fortaleçam e também consigam alcançar novos caminhos. Enquanto Rede Abraço, coletivo e sociedade, fico muito feliz em ver os meus iguais traçando novos destinos e se refazendo nesse processo.”
Ines Sunderhus
Assessora Especial da Unidade Prisional
“Ninguém acreditava que um dia isso poderia acontecer. Mas eu falo que Deus coloca pessoas nos nossos caminhos e colocou a Kátia. Hoje nós estamos realizando um sonho de ver que os nossos internos estão escrevendo a sua própria história. É uma coisa que eu não posso escrever, eu abro a porta, mas só eles podem escrever a própria história. Isso graças ao Edital Boas Práticas da Rede Abraço.”
Brunella Tiburtino Alóquio Teixeira
Psicóloga
“Eu cheguei esperando encontrar pessoas tristes, amarguradas — e encontrei exatamente o oposto. Encontrei pessoas cheias de sonhos, que se valorizam, que têm clareza de que ‘eu cometi um erro, mas eu não sou esse erro’. E o nosso trabalho foi justamente fomentar isso, potencializar o que há de melhor em cada um. Foi uma experiência muito positiva. Me engrandeceu como profissional, mas, principalmente, como pessoa. Foi um presente. Estar aqui hoje e ver o fruto desse trabalho é extremamente satisfatório.”
Lorena Palcich Bulhões
Advogada criminalista, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Cariacica e presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
“Participar deste momento e ver o quanto a literatura faz diferença aqui dentro me emociona profundamente. Estou muito feliz por ter recebido o convite. Agradeço à Kátia e a toda a equipe responsável. Quando a gente vê um projeto como esse, a gente se enche novamente de esperança. Quem está na luta pelos direitos humanos, buscando garantir às pessoas que cumprem suas penas o mínimo de dignidade, sabe que todos os dias enfrentamos algo que nos desanima. Mas precisamos nos fortalecer sempre. E a Kátia fez isso comigo hoje: me encheu de esperança para continuar a nossa luta.”
Imagens: Henrique Barros